Presidente da Abeeólica é vencedora do Prêmio Todas na categoria Energia Limpa
Alexa Salomão : https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2024/12/elbia-gannoum-foi-de-infancia-sem-luz-a-simbolo-da-energia-eolica-no-brasil.shtml
A economista Elbia Gannoum não é vista apenas como presidente da Abeeólica, entidade que representa toda a cadeia de energia eólica no país. O que se diz no setor é que, com profundo conhecimento técnico e regulatório, mais uma tenacidade considerada fora do comum para equilibrar interesses, Elbia integrou os diferentes elos da cadeia setorial e teceu conexões no Congresso e nos governos, impulsionando essa fonte renovável no Brasil.
Quando assumiu a entidade, em 2011, o país tinha 1 GW (gigawatt) de eólica. Hoje, já são 33 GW, 15% da capacidade instalada nacional.
“Em 2012, quando visitei o primeiro parque no Nordeste, fiquei emocionada com o efeito do projeto sobre a vida e a renda das pessoas, e o desenvolvimento da região. Ali, a energia eólica deixou de ser apenas trabalho. É paixão. Missão”, afirma Elbia, que ganhou o Prêmio Todas na categoria Energia Limpa. Para marcar aquela experiência, tatuou um aerogerador no antebraço.
Conheça o Prêmio Todas
Distinção, idealizada pela iniciativa Todas, premia mulheres em oito áreas do conhecimento, divididas na categorias Ciência e Tecnologia, Cultura, Economia, Educação, Energia Limpa, Esporte, Política Pública e Saúde. Também foi escolhida a personalidade do ano. Ganhadoras foram eleitas a partir de júri composto por jornalistas, empresárias, ativistas, acadêmicas e membros do terceiro setor.
O que pouca gente sabe é que uma das mulheres símbolo do setor de energia renovável viveu sem luz elétrica até os 15 anos e fez uma trajetória de superação feminina para chegar ao ponto atual.
Em 2012, quando visitei o primeiro parque no Nordeste, fiquei emocionada com o efeito do projeto sobre a vida e a renda das pessoas, e o desenvolvimento da região. Ali, a energia eólica deixou de ser apenas trabalho. É paixão. Missão
Elbia Gannoum
Caçula de oito irmãos, Elbia nasceu em Ituiutaba, interior de Minas Gerais, em uma família humilde. O pai trabalhava na roça e se aposentou como servente de pedreiro. A mãe lavava roupa para complementar a renda familiar. Quando criança, era com lamparina que fazia lições da escola e lia os primeiros livros.
Aos oito anos, começou a ganhar uns trocados vendendo verdura para os vizinhos. Já que tinha a diligência para o trabalho, aos 10, foi escalada para ajudar na loja de discos que uma irmã tinha aberto. Logo passou a cuidar do caixa e ir ao banco por ser boa aluna de matemática.
Nessa lida, começou a falar que faria curso superior para ser bancária. Ninguém da família tinha faculdade e, perto de concluir o ensino médio, bateu pé para fazer Economia. A família acabou se mudando para Uberaba para lhe dar suporte no cursinho e buscar a vaga.
Nesse meio tempo, Elbia se apaixonou pelo primeiro namorado e casou. O filho nasceu no ano em que ela passou no vestibular. Tinha 19 anos. O marido cuidava da criança, enquanto ela estudava e fazia estágio na área de compensação do Banco do Brasil.
Empolgada com os estudos e vislumbrando a possibilidade de também ser professora, decidiu que faria mestrado. Aí o marido deu o contra —e ela pediu a separação. Quando o pai opinou, chamando aquilo de absurdo, Elbia foi direta. Não podia dividir a vida com alguém que não entendia o valor do estudo para ela.
Aprovada no exame da Anpec (Associação Nacional dos Centros de Pós-Graduação em Economia), que faz a seleção para mestrado na área, ela escolheu Florianópolis (SC), uma capital menor e cuja universidade federal tinha Engenharia de Produção, modalidade que queria investir. Tinha, então, 25 anos, e teve de deixar o filho, de cinco, aos cuidado da família e do marido.
“Elbia é assim, destemida. Pouca gente faria o que ela fez. Apareceu em Santa Catarina dedicada a estudar, sem o filhinho e sem uma bolsa, porque as cinco que tínhamos já estavam preenchidas. Ela só conseguiu um ano depois, porque um bolsista desistiu”, lembra Edvaldo Santana, ex-diretor da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), que foi o coordenador dela no mestrado e doutorado.
“Ela ainda topou a parada de estudar o setor elétrico, se tornando uma das primeiras economistas na área, o que abriu o caminho dela no setor.”
Por ter esse conhecimento, já no doutorado, foi enviada pela universidade a um evento para apresentar um estudo comparando a competição no mercado de energia em diferentes países. Quando desceu do palco, foi abordada por um superintende da Aneel pedindo o seu contato. Dali surgiu o convite para trabalhar na agência, que ainda não tinha concursos. Ao se mudar para Brasília, sua qualificação atípica lhe colocou numa roda-viva.
Da Aneel, foi parar na equipe de Pedro Parente, responsável por gerenciar os efeitos do racionamento de energia. Dali, ganhou posto para tratar de energia no Ministério da Fazenda, quando o titular da pasta era Pedro Malan.
O PT ganhou a eleição presidencial e, mal digeriu a exoneração, foi surpreendida por um gesto de desprendimento profissional. O economista Otaviano Canuto, que ocuparia cargo na Fazenda e, na sequência, no Banco Mundial, conhecia o trabalho dela e sabia de seu interesse por energia. Num voo com a então ministra de Minas e Energia, Dilma Rousseff, contou que havia uma economista que entendia da área.
“Em 2003, quando Dilma chegou ao Ministério de Minas e Energia, sugeri o nome de Elbia para compor seu time, e deu certo”, conta Canuto à Folha.
“Sua experiência como economista-chefe no ministério lhe deu uma base sólida em políticas energéticas e regulação, necessárias para lidar com a complexidade do setor e promover uma transição energética eficaz.”
Na pasta, Elbia atuou entre os que fizeram história. Estava no grupo que promoveu a revisão do modelo do setor elétrico e também no que estruturou a implantação do Proinfa (Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica), que abriu espaço no mercado nacional às então novatas solar e eólica.
Quando Dilma foi para a Casa Civil, Elbia passou por uma nova imersão no mercado como conselheira da CCEE (Câmara de Comercialização de Energia Elétrica). “Economista estudiosa e dedicada, tem grande capacidade de articulação”, define o engenheiro Luiz Eduardo Barata, que foi superintendente e presidente do conselho de administração da CCEE, e contemporâneo dela na entidade.
Entre as pessoas que, na sequência, contribuíram para Elbia assumir o comando da Abeeólica está Rosana Santos, que hoje comanda o Instituto E+. Se conheceram no ministério, quando Rosana coordenava a implantação do Luz para Todos. Ela diz que acreditava que a rica vivência profissional de Elbia seria estratégica em favor do setor.
Rosana conta, porém, que a imagem inesquecível da colega vem de um momento mais prosaico. Em 2016, quando estava na GE, convidou Elbia para falar sobre liderança feminina. Vivendo o amor de um casamento maduro, aos 44 anos, Elbia estava grávida do segundo filho. O terceiro viria em 2018.
“Foi emocionante ver aquela capacidade de renovação”, lembra Rosana. “Elbia estava radiante, segura, poderosa com aquele barrigão do segundo filho, encantando a mulherada.”